Wayne Price
Organização Anarquista, não vanguarda leninista
Tradução: Alexandre Santos GEAPI – Grupo de Estudos Anarquistas do Piauí.
http://www.anarquistas-pi.blogspot.com.br geapi.phb@riseup.net 2014
SUMÁRIO
1) Porque é necessária uma organização anarquista...Mas não um “partido de vanguarda”
2) A Organização política revolucionária anarquista.
3) O Partido Leninista.
4) O Mito da Revolução Bolchevique.
5) Conclusão.
6) Referências Bibliográficas.
Porque é necessária uma organização anarquista... Mas não um “partido de vanguarda”.
Hoje em dia poucas pessoas são anarquistas revolucionárias. A grande maioria das pessoas rechaçam o anarquismo e toda classe de radicalismo (se é que sequer pensa nele). Para os que são anarquistas, a relação entre a minoria revolucionária (nós), e a maioria moderada e (todavia) não revolucionária é uma questão chave. Deve a minoria revolucionária esperar que as leis da História façam com que a maioria (ou ao menos a classe trabalhadora) se torne revolucionária, como alguns propõem? Nesse caso, a minoria não tem que fazer praticamente nada. Ou por acaso a minoria radical tem que se organizar para difundir suas ideias libertadoras, cooperando com o processo histórico? Se for assim, a minoria revolucionária deve organizar-se de maneira verticalista e centralizada, ou pode em troca organizar-se como uma federação radicalmente democrática, consistente com seu objetivo de liberdade? A tendência mais excitante hoje na esquerda é quiçá o crescimento do anarquismo organizador classista. Isto inclui o plataformismo internacional, ao especifismo latino-americano, e a outros elementos (o plataformismo se inspira na Plataforma Organizativa da União Geral dos Anarquistas, de 1926; em Skirda, 2002). Incluso alguns trotskistas observaram que “o plataformismo é uma das correntes mais à esquerda dentro do anarquismo contemporâneo” (International Bolshevik Tendency, 2002; p.
1). Para o anarquismo organizador classista, a organização dos anarquistas segundo suas crenças é um princípio central. Isto se aplica em particular aos que concordam com um programa de revolução social antiautoritária levada a cabo pela classe operária internacional e todos os oprimidos. Deverão portando organizar uma associação voluntária especificamente anarquista. Estruturar-se-á como uma federação democrática de grupos menores. Esta organização produzirá literatura política e trabalhará para difundir duas Organização Anarquista, não vanguarda leninista 6 ideias. Com unidade programática e tática, seus membros participarão em associações, mas amplas e heterogêneas, como sindicatos, organizações comunitárias, grupos antiguerra, e quando surjam em um período revolucioná- rio conselhos operários e comunitários. Estas organizações anarquistas não seriam “partidos”, porque não buscam tomar o poder para si mesmas. Buscarão liderar através das ideias e do exemplo, sem dominar ou apoderar-se das organizações populares, e sem tomar o poder estatal. Este enfoque (resumido mais acima de maneira condensada) foi atacado por dois lado. De um lado estão os anarquistas anti-organizadores (incluindo os individualistas, primitivistas e “pós-esquerdistas”, entre outros). Na melhor das hipóteses eles aceitam grupos locais de associação fraca uns com os outros. Vão denunciando o anarquismo organizador como um intento de construir novos partidos autoritários, essencialmente leninistas. Os verdadeiros leninistas também o denunciaram por não ser leninista. O único trabalho extenso dos leninistas sobre o tema (Plataformism & Bolchevism, da I.B.T. trotskista, 2002) declara que há “um abismo político entre a plataforma de 1926 e o bolchevismo” (p. 2). Os plataformistas, diz o texto são “demasiado anarquistas para os bolcheviques, e demasiado ‘bolchevique’ para os anarquistas” ainda que “o grau de separação do plataformismo relaciona-se a sua gerência libertária foi superestimada por seus críticos anarquistas...” (p. 3). Segundo os autores, a única solução é adotar o partido centralizado leninista de vanguarda e o estado ditatorial dos trabalhadores. Os anarquistas anti-organizadores e os leninista coincidem em que uma organização revolucionária radicalmente democrática, não autoritária e federada é impossí- vel. Os trotskistas assinalam que os movimentos anarquistas fracassaram invariavelmente em seu objetivo de conseguir uma sociedade livre. Eles Wayne Price 7 sustentam que as únicas revoluções exitosas foram dirigidas por partidos leninistas e resultaram em estados totalitários monstruosos que assassinaram dezenas de milhões de trabalhadores e campesinos. Os anarquistas desejam derrubar o capitalismo sem terminar em “êxitos” desse tipo. (ainda assim, todas as variedades de leninismo fracassaram completamente em alcançar o objetivo principal de Marx e Lenin, uma revolução da classe operária nos países industrializados e imperialistas). De toda maneira, isto estabelece uma pergunta válida: Como pode o anarquismo evitar repetir sua história de fracasso e derrota? Como podemos derrubar o capitalismo mundial sem criar estados de tipo stalinista? O anarquismo organizador foi desenvolvido precisamente para lidar com este problema. Há disputas similares a respeito de formar organizações tanto entre os marxistas libertários (autonomistas) como entre os anarquistas. Aparentemente, isto teve incidência na divisão entre C.L.R. James e Raya Dunayevskaya. Também foi um problema no movimento do Comunismo de Conselhos, com teóricos diferentes defendendo perspectivas distintas. No grupo Socialisme ou Barbarie da segunda pós- guerra francesa, houve uma divisão entre Cornelius Castoriadis, quem adotou uma posição organizadora, e Claude Lefort, quem adotou uma posição anti-organizadora. Neste ensaio, resenharei os argumentos anarquistas a favor de alguma forma de organização política, incluindo o debate histórico entre os anarcossindicalistas e anarco-comunistas. Descreverei posteriormente uma crítica anarquista ao partido leninista. Revisarei a revolução russa para demonstrar que a necessidade de uma centralização é um mito. O partido bolchevique dirigiu a revolução russa quando os bolcheviques eram mais parecidos a uma federação anarquista. Organização Anarquista, não vanguarda leninista 8 A Organização política revolucionária anarquista. Muitos anarquistas parecem crer que em um bom dia a maioria das pessoas compreenderá a inutilidade de uma sociedade autoritária. Todos juntos, como uma só pessoa, em um momento dado, abrirão os olhos ante sua alienação, se colocarão de pé e recuperarão sua sociedade. Este enfoque é às vezes denominado “esponteneísmo”. Desgraçadamente, as coisas não funcionam assim. Em geral, a longo prazo, os povos se radicalizam de forma heterogênea. Em épocas conservadoras, as pessoas se tornam revolucionárias em número reduzido. Na medida em que a situação radicaliza, se fazem grupos revolucionários e núcleos inteiros. Logo, na medida em que a situação avança em direção a um período de radicalização, camadas inteiras se fazem revolucionárias. Finalmente, em períodos de rebelião, populações inteiras se sublevam. Mas muitos, ou as pessoas recém radicalizadas, não vão pensando sobre seus objetivos ou estratégias. Muitas vezes, cheios de energias, mas confusos e inseguros, até que consigam ordenar suas ideias através da experiência. Nesses períodos, os reformistas podem facilmente desviá-los para um retrocesso aos antigos costumes, e os grupos autoritários podem instalar novos governadores. Isto foi demonstrado pela triste história das revoluções posteriores à segunda guerra mundial na Europa e no “Terceiro Mundo”. Mais recentemente, temos vistos os lamentáveis resultados da revolução iraniana, que pôs os ayatolás no poder, o no caso da Argentina, onde a rebelião das massas produziu tão somente um regime capitalista um pouco mais de esquerda. (mas as lutas na Argentina e no resto da América Latina ainda não terminaram). Na medida em que os grupos e camadas de trabalhadores e outros grupos se radicalizam, tem a oportunidade de organizar-se para difundir eficazmente suas ideias entre o resto da população ainda não radicalizada. Isso Wayne Price 9 não contradiz a auto-organização do conjunto da população oprimida. É uma parte integral desta auto-organização. Muitos grupos se organizaram seguindo linhas autoritárias (reformistas, ou para uma nova dominação revolucionária). Isto é inevitável, já que o autoritarismo é tudo o que conhecemos. Mas é possível que alguns se organizem em direções libertárias, igualitárias ou cooperativas é dizer, que se façam anarquistas ou outro tipo de antiautoritários. Isto é de vital importância para não repetir a desastrosa história de derrotas das revoluções dos trabalhadores. Uma organização política ajudará os antiautoritários a falar entre si, a educarem- se entre si, a desenvolver sua teoria, suas táticas e suas estratégias, suas análises do que está se passando e do que fazer a respeito, e sua visão de como poderia ser uma sociedade socialista. Poderão debater o que aprenderam de outras pessoas e o que podem ensinar aos outros. Ser parte de uma organização pode ajudá-los a resistir da influência conservadora e desmoralizante do resto da sociedade. Algo assim como o que dizia o anarquista Paul Gooodman, “Basta pesquisar e fazer uma banda, com cem pessoas de ideologias semelhantes, para saber que uma está sã e que o resto da cidade está doentia” (1962, p. 17.). Aqui a questão é a relação entre a minoria que chegou a conclusões revolucionárias, e a maioria que, a maior parte das vezes, não é revolucioná- ria salvo em períodos revolucionários. (O fato de que a maioria se tornou revolucionária é o que, por definição, faz com que um período seja revolucionário!). Os anarquistas espontaneístas e anti-organizadores não veem isto como um problema: negam sua existência. Para eles, até falar de uma minoria revolucionária é ser autoritário. Negam a realidade. Só é possível combater os perigos do autoritarismo se admitirmos que este possa surgir da separação entre uma minoria revolucionária e a maioria. O anarquismo organi- Organização Anarquista, não vanguarda leninista 10 zador é uma forma de lidar com esta separação, é uma forma de superá-la através da política prática, uma via distinta do leninismo. Uma federação revolucionária anarquista terá duas tarefas entrelaçadas, dentro das organizações populares mais amplas. Uma é lutar contra todas as organizações autoritárias que surgirão inevitavelmente: Stalinistas, socialdemocratas, liberais, fascistas, etc. Todos eles tratarão de minar a confiança dos trabalhadores e a iniciativa popular. Argumentaremos contra esses agrupamentos, lutaremos contra elas, e alentaremos os trabalhadores, mulheres, minorias raciais e nacionais, etc., para que tenham confiança em si mesmos, para que tomem o poder para si mesmos, e contem com si mesmo, não com algum Salvador vindo de cima. A outra tarefa entrelaçada é fazer alianças com todas as pessoas e grupos com que seja possível (com qualquer que vá em nossa direção). Nada tem todas as respostas. Por exemplo, na enorme sociedade dos Estados Unidos, é improvável que só uma organização (“Vanguardista”) tenha todos os melhores militantes e todas as ideias corretas. Os anarquistas revolucionários deverão estar preparados para fazer frentes unidas com qualquer grupo que desenvolva-se em uma direção antiautoritária. Muitos destes problemas foram estabelecidos no Congresso Anarquista Internacional de Amsterdã, em 1907. Estiveram presentes cerca de oitenta anarquistas da Europa, América do Norte, do Sul e de outras regi- ões, incluindo figuras muito conhecidas na época, como Emma Goldman. Entre outros temas discutidos, Pierre Monatte, um anarcossindicalista francês, urgiu aos anarquistas a ingressarem nas uniões (sindicatos), para ajudar em sua organização e construção. Argumentou que este era o caminho para que os anarquistas saíssem de seus pequenos círculos isolados, e abandonaram rebeliões sem sentido e (em alguns casos) o terrorismo. Segundo Mona- Wayne Price 11 tte, desta maneira os anarquistas poderiam entrar em contato com os trabalhadores e participar em suas vidas e em suas lutas. Falando contra ele se encontrava o anarco-comunista italiano Errico Malatesta. (Estes rótulos levam à confusão, já que os anarcossindicalistas concordam que seu objetivo é o comunismo libertário, enquanto que os anarco-comunistas concordam que os sindicatos são valiosos). Estava de acordo que era importante que os anarquistas participassem dos sindicatos. Mas opunham-se a ideia implícita de que os anarquistas deviam, em efeito, dissolverem-se dentro dos sindicatos. Malatesta advertiu que isto era perigoso, pois os sindicatos, por sua natureza, tinham que atrair trabalhadores com uma grande variedade de níveis de consciência, conservadores e socialistas de Estado, assim como anarquistas. Assim mesmo, o trabalho dos sindicatos era negociar melhores condições de trabalho e salários sob o capitalismo, sempre que não houvesse uma situação revolucionária. Ou seja, os sindicatos têm que adaptar-se tanto à consciência mais conservadora da maioria de seus membros, como às necessidades práticas do mercado capitalista. Por outro lado, Malatesta e outros concluíram que os trabalhadores anarquistas deviam também organizar-se em organizações especificamente anarquistas, para lutar pelas ideias anarquistas. Eles trabalhariam dentro e fora dos sindicatos, ocupando-se não somente de questões sindicais, mas também de toda luta contra a opressão de qualquer setor. (Curiosamente, muitas pessoas de esquerda conhecem em detalhes o debate de Lênin com os “economistas” - marxistas que queriam se concentrar somente na organização sindical como Lênin o consigna em “O que fazer?”. Mas não sabem nada sobre o debate Malatesta-Monatte, que abrangeu o mesmo período. Os trotskistas da I.B.T. observam, com aparente surpresa, “... os plataformistas têm um histórico de participação nas lutas para ampliar e defender os direitos democráticos...” Isso mostra uma compre- Organização Anarquista, não vanguarda leninista 12 ensão relativamente sofisticada de como opera o estado capitalista e é congruente com ‘O que fazer?’ de Lênin... (2002, p.14). Monatte estava certo sobre o valor da entrada dos anarquistas nos sindicatos. Com esta abordagem, os anarquistas terminaram com seu isolamento e alcançaram uma grande influência entre os trabalhadores e outros grupos. Mas Malatesta tinha igualmente razão. Os outrora militantes sindicatos franceses (CGT) tornaram-se conservadores. Tudo o que os altos chefes dos sindicatos mantiveram do seu anarquismo original era um desejo de manter os sindicatos independentes dos partidos socialistas. Quando a Primeira Guerra Mundial estourou, os sindicatos franceses apoiaram a guerra e o governo. Monatte se tornou opositor da burocracia sindical e seu pró- imperialismo. Os anarcossindicalistas sabiam o que tinha acontecido em França e viram tendências semelhantes nos sindicatos espanhóis (CNT). Ao contrário dos anarcossindicalistas franceses, os espanhóis organizaram uma federação especificamente anarquista, a FAI, dentro da CNT. Eles conseguiram bater em retirada da tendência reformista e burocrática (e, em seguida, dos comunistas). Mas além de seus eventuais erros, nesta questão a FAI continua a ser um exemplo para os organizadores anarquistas. O Partido Leninista Como é sabido, o conceito do partido é essencial para o leninismo. Isto tem sido definido de várias maneiras. O documento central do trotskismo (uma variante do leninismo) é o “Programa de transição”. Sua primeira frase e conceito essencial é: “A situação política mundial como um todo é principalmente caracterizada por uma crise de direção do proletariado” (1977, p. 111). É dizer que o problema principal não é o conservadorismo Wayne Price 13 das massas trabalhadoras, porque em nossa época os trabalhadores e os oprimidos se levantaram contra o capitalismo de tanto em tanto. O problema é que os socialdemocratas, liberais, nacionalistas e stalinistas são os líderes estabelecidos e respeitados. Estas elites induzem os trabalhadores a alguma versão da velha opressão. O que é necessário, em seguida, é construir uma nova direção, um partido comprometido com um programa revolucionário de palavra e ação, que possa ganhar o apoio da maioria dos trabalhadores e oprimidos. A vantagem deste projeto é que ele diz à minoria revolucionária que não culpe os trabalhadores para o fracasso da revolução. Isto não nega que a consciência revolucionária da maioria dos trabalhadores é um problema. Mas lamentar-se do “atraso” da maioria é tão incoerente quanto idealizar os trabalhadores. A decadência do capitalismo levará repetidamente a classe trabalhadora a se rebelar. A tarefa da minoria revolucionária é desenvolver sua própria teoria, análise, estratégia, tática e prática. A desvantagem desta concepção de liderança é que se presta a considerar a direção como mais importante. Assim, se busca substituir maus líderes de bons líderes, partidos ruins por bons partidos - ou seja, o partido com as ideias certas. Em vez de se concentrar em agitar as pessoas, estimulando sua independência e autonomia, esta abordagem significa que tudo o que é necessário é levar os dirigentes adequados ao poder. Nos casos mais infelizes, o partido se torna um substituto para a classe trabalhadora. Os leninistas concebem o partido como uma organização centralizada - o “centralismo democrático”. Isto é baseado em sua visão do socialismo, entendido como uma economia centralizada gerida por um Estado centralizado. Para alcançar este objetivo e dirigia a economia centralizada e estatizada é necessário um partido centralizado. Na teoria, o Estado e o partido Organização Anarquista, não vanguarda leninista 14 “desintegraram-se” (um dia), mas a economia permanecerá centralizada - e em escala global, nada menos. A ideia em si é um pesadelo burocrático. O “centralismo” não é apenas a coordenação, a cooperação ou a unificação. O centralismo (“democrático” ou não) significa que tudo é dirigido a partir de um centro. Manda uma minoria. Como Paul Goodman disse: “Em uma empresa centralizada... autoridade é vertical. As informações se reúnem abaixo no campo e são processadas para em seguida, destinar-se em níveis superiores, as decisões são tomadas nas sedes centrais, políticas, agendas e procedimentos padronizados são passadas debaixo por uma cadeia de comando... O sistema foi concebido para disciplinar exércitos para manter registros, recolher impostos, e as funções burocráticas, e para... a produção em massa” (1977, p. 3-4). Este é o modelo básico da sociedade capitalista, e mantém o partido leninista. Este é o estado em embrião, a rela- ção capital / trabalho na prática. Sem dúvida, uma federação anarquista também tem certo grau de “centralismo”, ou seja, a organização geral atribui certas tarefas específicas grupos e indivíduos específicos. Esses núcleos são escolhidos e são revogá- veis a qualquer momento, com uma rotação de tarefas entre os membros. Por definição, uma federação equilibra centralização com descentralização: a centralização mínima e indispensável, e toda a descentralização possível em uma organização anarquista. Entre os leninistas, o partido centralizado está justificado filosoficamente. Supõe-se que o partido sabe a verdade, o “socialismo científico”. O partido considerado como a personificação da consciência do proletariado. A consciência do proletariado não é o que o proletariado realmente acredita, mas o que ele deve acreditar, o que tem que crer e somente o partido conhece com segurança. Portanto, o partido não tem nada a aprender com ninguém fora dele. A direção do partido é provavelmente a mais bem Wayne Price 15 informada sobre a verdade. Portanto, o partido deve ser centralizada, com uma liderança central estável. Ela carrega “o fardo do homem brilhante” (Landy, 1990, p. 5). O partido ou seus líderes são a “vanguarda”. Eu não vou protestar definições de palavras, quando o que importa são os conceitos. Alguns anarquistas usaram a palavra “vanguarda” para se descreverem. Usaram o termo para expressar que eles estavam criando um pensamento político avançado, e eles eram da esquerda revolucionária, a mais extrema esquerda. Usaram “vanguarda” da mesma forma que os artistas usam o termo francês “avant-garde”, isto é, aqueles à frente das novas ideias. Mas a “vanguarda” de hoje refere-se hoje não só a um grupo que tem suas próprias ideias, a minoria revolucionária. Refere-se aqueles que acreditam que têm todas as respostas e, portanto, têm o direito de dirigir o resto. Isto é o que os anarquistas rejeitam. Por exemplo, o panfleto I.B.T. argumenta que os bolcheviques tinham razão para manter uma ditadura de partido único, nos primeiros dias da União Soviética (quando Lenin e Trotsky estavam no poder). Isso é correto, dizem eles, apesar da maioria dos trabalhadores (para não mencionar os agricultores) não os apoiava. Se eles permitiram eleições livres nos sovietes, operários e camponeses os rechaçariam, votando nos revolucionários socialistas de esquerda (populistas), nos mencheviques, ou anarquistas. Estes, argumentam eles, capitularam ao capitalismo e permitiram o surgimento de um protofascismo. Verdade ou não, os trotskistas justificam que se governe uma ditadura de um partido minoritário, porque o partido sabe o que é melhor para o povo. No entanto, esta abordagem não levou ao socialismo, mas o stalinismo, a contrarrevolução através do partido. Stalinismo era quase tão brutal quanto os nazistas. De acordo com o panfleto da I.B.T., por volta de 1924 o partido bolchevique já não era revolucionário, logo após a revolução de 1917. Concluo, portanto, que teria sido melhor ficar com a Organização Anarquista, não vanguarda leninista 16 democracia revolucionária bolchevique dos sovietes originais, mesmo que isso significasse perder o poder. Nada poderia ter sido pior do que o que aconteceu. O Mito da Revolução Bolchevique Acredita-se geralmente que a Revolução Russa demonstra a necessidade de um partido centralizado, verticalista, de estilo bolchevique. Sem esse tipo de partido, argumenta-se, não teria havido uma revolução socialista. Portanto, hoje é necessário para construir este tipo de partido. Este argumento é mais mitológico. No exílio europeu, Lenin tinha construído um corpo centralizado de quadros profissionais, mas estes não controlavam em absoluto as bases reais do movimento marxista do Império Russo. O movimento socialista tinha sido afetado pela repressão czarista, e as lutas entre facções internas, que levaram a rupturas, como os mencheviques, apenas os mais conhecidos. Murray Bookchin resumiu: “O Partido Bolchevique... Era uma organização ilegal durante a maior parte dos anos antes da revolução. O partido foi constantemente destruído e reconstruído, com o resultado de que, até a tomada do poder, nunca cristalizou-se em uma máquina totalmente centralizada, hierárquica e burocrática. Além disso, ele foi crivado por facções... Para a guerra civil”. (1986, p. 220). Hal Draper, uma autoridade em Marx e Lenin, fez observações semelhantes “... As etapas anteriores para um partido de massas na Rússia não tinha sido dadas na forma de seita, mas círculos locais de trabalhadores que permaneceram e formaram grandes associações regionais... As organizações associadas na Rússia eram grupos de partidários locais e regionais, que poderiam ter simpatias bolcheviques em parte e em parte mencheviques, ou Wayne Price 17 poderiam mudar o seu apoio de um grupo para outro ao longo do tempo, etc. Sempre que tinha lugar um ‘congresso do partido’ ou conferência, cada grupo partidário tinha de decidir se ia assistir um ou outro, ou ambos... Os membros individuais de um partido na Rússia, ou os grupos partidários, poderiam decidir distribuir o jornal de Lenin ou os mencheviques, ou nenhum dos dois, muitas preferiam grupos ‘não-rebeldes’ como o que Trotsky criou em Viena; ou podiam as publicações bolcheviques que mais gostavam, além de outras mencheviques ou outros grupos, sem qualquer restrição”. (1971, p. 7-8). O papel dos bolcheviques na derrubada do Governo Provisório capitalista foi cuidadosamente estudado por Alexander Rabinowitch (1976, 1991). Através de um estudo das primeiras memórias de militantes bolcheviques e lendo os jornais bolcheviques da época, ele concluiu que “... a unidade quase monolítica e a ‘disciplina de ferro’ do Partido Bolchevique em 1917 são em grande parte um mito...” (1991, p. viii-ix). O comitê central do partido não conseguiu controlar muitas organizações regionais e locais, e, geralmente, não tentava. Mesmo em locais centrais como Petrogrado e Moscou, havia corpos relativamente autônomos bolcheviques criaram seus próprios jornais e se deram suas políticas imediatas. O comitê central tinha membros com vontade forte, que lutaram por suas opiniões, às vezes ignorando a disciplina partidária. Enquanto isso, o partido foi aberto à dezenas de milhares de novos membros trabalhadores, que abalaram consideravelmente a organização. Quando Lenin retornou à Rússia, confiou nesta nova base para derrubar políticas conservadoras dos antigos bolcheviques. Rabinowitch concluiu que essas divisões “descentralizadas e indisciplinados” (p. ix) causaram algumas dificuldades, mas em termos gerais eram de utilidade vital. “...A flexibilidade organizacional dos bolcheviques, o caráter rela- Organização Anarquista, não vanguarda leninista 18 tivamente aberto e receptivo... Haveria de ser uma parte importante da força e da capacidade do partido para tomar o poder”(1991, p. xi). A criação do partido centralizado e monolítico foi realizada após a revolução, durante a guerra civil contra os brancos contrarrevolucionários. Quando a guerra civil terminou em 1921, os bolcheviques acabar com a revolta da fortaleza naval de Kronstadt e derrotaram a oposição interna do partido que manifestaram-se por mais democracia operária. Lenin convenceu os bolcheviques (agora do Partido Comunista) de proibir todas as panelinhas internas e facções (Trotsky estava de acordo). “...Os bolcheviques tenderam a centralizar o seu partido ao passo que se isolavam da classe trabalhadora”. (Bookchim, 1986, p. 221). O jogo tornou-se ainda mais burocrá- tico e repressivo internamente com a vitória de Stalin em 1924. O partido bolchevique fez a revolução russa, quando este aparentavase mais a uma federação anarquista! O partido centralizado e monolítico não era o partido da revolução, mas da contrarrevolução. Os partidos autoritá- rios leninistas que fizeram as revoluções chinesas, vietnamitas, iugoslavas e Norte-coreana tinham como modelo de partido o da União Soviética stalinista. Mao e outros queriam um partido que iria criar um sistema similar de capitalismo de Estado totalitário. Há outro aspecto mitológico da imagem atual da Revolução Russa e do Partido Bolchevique. É a ideia de que os bolcheviques próprios que derrubaram o governo provisório. Isso não é verdade. Tomando o poder original foi realizado por uma frente unida do partido bolchevique, os revolucionários e anarquistas socialistas de esquerda. Os bolcheviques desempenharam um papel de liderança por causa da fraqueza dos outros dois grupos, mas eles não poderiam ter agido sozinho. Os socialistas revolucionários de esquerda eram os herdeiros do populismo camponês russo, com um programa socialista libertário. Ao contrário dos bolcheviques, tinha apoio entre Wayne Price 19 os camponeses. Sua fraqueza era seus entrelaçamentos com a ala direita do partido, que só começou a se espalhar em 1917. Os anarquistas estavam ativos nas grandes cidades e em muitas indústrias. Os anarcossindicalistas foram importantes na construção de conselhos de fábrica. Infelizmente, os anarquistas foram divididos em várias tendências, e foram superados pelo maior grau de organização dos partidos políticos. (Os anarcossindicalistas parecem ter sido melhor organizado do que os anarco-comunistas, em termos de criação de um jornal e de divulgar as suas opiniões). Os social-revolucionários de esquerda e os anarquistas concordaram com os bolcheviques sobre a necessidade de derrubar o Governo Provisório burguês e substituí-lo com os sovietes. Todos cooperaram no comitê militar, dirigido por Trotsky, que derrubou o governo provisório. Os socialistas revolucionários de esquerda, em seguida, formaram um governo conjunto com os bolcheviques nos sovietes. Os anarquistas participaram nos sovietes e geralmente apoiaram as políticas dos bolcheviques e socialistas revolucionários de esquerda. O objetivo desta frente unida foi um passo importante para uma ditadura de partido único da etapa de comunistas. (O desenvolvimento deste processo é muito confusa para expor aqui). Em 1921, além de proibir as facções dentro do Partido Comunista, Lênin e Trotsky também exigiram a proibição definitiva de todos os outros partidos, que estavam mais dispostos a apoiar o socialismo. A ditadura monolítica e centralizada de partido único tinha acabado de ser criada, mas passou por algumas etapas antes de Stalin a aperfeiçoasse completamente. Mas não é assim que a revolução foi feita. Organização Anarquista, não vanguarda leninista 20 Conclusão Além de suas realizações, o anarquismo falhou repetidas vezes em suas tentativas de criar uma sociedade cooperativa e livre. Revoluções influenciadas por anarquistas foram derrotadas, ou foram “bem-sucedidas” a ser controladas pelos estatistas. Hoje, há um ressurgimento do anarquismo no mundo inteiro. Muitos militantes têm as suas expectativas postas na tendência organizadora e classista do anarquismo histórico, como expresso por Malatesta, os plataformistas, a FAI, e os especifistas. Alguns de nós também colocamos nossas expectativas na tendência autonomista do marxismo. Nós nos esforçamos para criar federações democráticas organizadas em torno de um programa de revolução internacional da classe operária e de todos os oprimidos. Os anarquistas anti-organizadores afirmam que se criam assim partidos de tipo leninista. Para além das suas intenções, na prática, os anarquistas anti- organizadores abandonaram a organização anarquista efetiva contra o capitalismo e o Estado. Enquanto isso, os leninistas constroem partidos que recriam a divisão centralizada “dirigente/dirigido” do capitalismo de estado. Eles espalharam imagem falsa e autoritária de como a revolução russa foi alcançada. Nós, no entanto, ainda acreditamos que a emancipação da classe trabalhadora e dos oprimidos será obra da classe operária e dos oprimidos. Acreditamos que a formação de federações anarquistas revolucionárias faz parte da auto-organização dos oprimidos e explorados pelo capitalismo. Essa auto-organização continua a ser a chave para a libertação humana. Referências Bibliográficas Bookchin, Murray (1986). Post-scarcity anarchism, 2nd ed. Montreal: Black Rose Books. Wayne Price 21 Draper, Hal (1971; photocopied, undated). “Toward a New Beginning”. Reorient Papers No. 3. Goodman, Paul (1962). Drawing the line; A pamphlet. NY: Random House. Goodman, Paul (1965). People or personnel, Decentralizing and the mixed system. NY: Random House. International Bolshevik Tendency (2002). Platformism and Bolshevism. I.B.T. pamphlet. Landy, Sy (1990). Foreword. In Walter Daum. The life and death of Stalinism. NY: Socialist Voice Publishing. Pp. 3 — 6. Rabinowitch, Alexander (1976). The Bolsheviks come to power; The revolution of 1917 in Petrograd. NY: W.W. Norton Rabinowitch, Alexander (1991). Prelude to revolution: The Petrograd Bolsheviks and the July 1917 uprising. Bloomington: Indiana University Press.
FONTE: https://we.riseup.net/assets/209634/Organiza%C3%A7%C3%A3o%20anarquista%2C%20n%C3%A3o%20vanguarda%20leninista..pdf
Organização Anarquista, não vanguarda leninista
Tradução: Alexandre Santos GEAPI – Grupo de Estudos Anarquistas do Piauí.
http://www.anarquistas-pi.blogspot.com.br geapi.phb@riseup.net 2014
Organização Anarquista, não vanguarda leninista
SUMÁRIO
1) Porque é necessária uma organização anarquista...Mas não um “partido de vanguarda”
2) A Organização política revolucionária anarquista.
3) O Partido Leninista.
4) O Mito da Revolução Bolchevique.
5) Conclusão.
6) Referências Bibliográficas.
Porque é necessária uma organização anarquista... Mas não um “partido de vanguarda”.
Hoje em dia poucas pessoas são anarquistas revolucionárias. A grande maioria das pessoas rechaçam o anarquismo e toda classe de radicalismo (se é que sequer pensa nele). Para os que são anarquistas, a relação entre a minoria revolucionária (nós), e a maioria moderada e (todavia) não revolucionária é uma questão chave. Deve a minoria revolucionária esperar que as leis da História façam com que a maioria (ou ao menos a classe trabalhadora) se torne revolucionária, como alguns propõem? Nesse caso, a minoria não tem que fazer praticamente nada. Ou por acaso a minoria radical tem que se organizar para difundir suas ideias libertadoras, cooperando com o processo histórico? Se for assim, a minoria revolucionária deve organizar-se de maneira verticalista e centralizada, ou pode em troca organizar-se como uma federação radicalmente democrática, consistente com seu objetivo de liberdade? A tendência mais excitante hoje na esquerda é quiçá o crescimento do anarquismo organizador classista. Isto inclui o plataformismo internacional, ao especifismo latino-americano, e a outros elementos (o plataformismo se inspira na Plataforma Organizativa da União Geral dos Anarquistas, de 1926; em Skirda, 2002). Incluso alguns trotskistas observaram que “o plataformismo é uma das correntes mais à esquerda dentro do anarquismo contemporâneo” (International Bolshevik Tendency, 2002; p.
1). Para o anarquismo organizador classista, a organização dos anarquistas segundo suas crenças é um princípio central. Isto se aplica em particular aos que concordam com um programa de revolução social antiautoritária levada a cabo pela classe operária internacional e todos os oprimidos. Deverão portando organizar uma associação voluntária especificamente anarquista. Estruturar-se-á como uma federação democrática de grupos menores. Esta organização produzirá literatura política e trabalhará para difundir duas Organização Anarquista, não vanguarda leninista 6 ideias. Com unidade programática e tática, seus membros participarão em associações, mas amplas e heterogêneas, como sindicatos, organizações comunitárias, grupos antiguerra, e quando surjam em um período revolucioná- rio conselhos operários e comunitários. Estas organizações anarquistas não seriam “partidos”, porque não buscam tomar o poder para si mesmas. Buscarão liderar através das ideias e do exemplo, sem dominar ou apoderar-se das organizações populares, e sem tomar o poder estatal. Este enfoque (resumido mais acima de maneira condensada) foi atacado por dois lado. De um lado estão os anarquistas anti-organizadores (incluindo os individualistas, primitivistas e “pós-esquerdistas”, entre outros). Na melhor das hipóteses eles aceitam grupos locais de associação fraca uns com os outros. Vão denunciando o anarquismo organizador como um intento de construir novos partidos autoritários, essencialmente leninistas. Os verdadeiros leninistas também o denunciaram por não ser leninista. O único trabalho extenso dos leninistas sobre o tema (Plataformism & Bolchevism, da I.B.T. trotskista, 2002) declara que há “um abismo político entre a plataforma de 1926 e o bolchevismo” (p. 2). Os plataformistas, diz o texto são “demasiado anarquistas para os bolcheviques, e demasiado ‘bolchevique’ para os anarquistas” ainda que “o grau de separação do plataformismo relaciona-se a sua gerência libertária foi superestimada por seus críticos anarquistas...” (p. 3). Segundo os autores, a única solução é adotar o partido centralizado leninista de vanguarda e o estado ditatorial dos trabalhadores. Os anarquistas anti-organizadores e os leninista coincidem em que uma organização revolucionária radicalmente democrática, não autoritária e federada é impossí- vel. Os trotskistas assinalam que os movimentos anarquistas fracassaram invariavelmente em seu objetivo de conseguir uma sociedade livre. Eles Wayne Price 7 sustentam que as únicas revoluções exitosas foram dirigidas por partidos leninistas e resultaram em estados totalitários monstruosos que assassinaram dezenas de milhões de trabalhadores e campesinos. Os anarquistas desejam derrubar o capitalismo sem terminar em “êxitos” desse tipo. (ainda assim, todas as variedades de leninismo fracassaram completamente em alcançar o objetivo principal de Marx e Lenin, uma revolução da classe operária nos países industrializados e imperialistas). De toda maneira, isto estabelece uma pergunta válida: Como pode o anarquismo evitar repetir sua história de fracasso e derrota? Como podemos derrubar o capitalismo mundial sem criar estados de tipo stalinista? O anarquismo organizador foi desenvolvido precisamente para lidar com este problema. Há disputas similares a respeito de formar organizações tanto entre os marxistas libertários (autonomistas) como entre os anarquistas. Aparentemente, isto teve incidência na divisão entre C.L.R. James e Raya Dunayevskaya. Também foi um problema no movimento do Comunismo de Conselhos, com teóricos diferentes defendendo perspectivas distintas. No grupo Socialisme ou Barbarie da segunda pós- guerra francesa, houve uma divisão entre Cornelius Castoriadis, quem adotou uma posição organizadora, e Claude Lefort, quem adotou uma posição anti-organizadora. Neste ensaio, resenharei os argumentos anarquistas a favor de alguma forma de organização política, incluindo o debate histórico entre os anarcossindicalistas e anarco-comunistas. Descreverei posteriormente uma crítica anarquista ao partido leninista. Revisarei a revolução russa para demonstrar que a necessidade de uma centralização é um mito. O partido bolchevique dirigiu a revolução russa quando os bolcheviques eram mais parecidos a uma federação anarquista. Organização Anarquista, não vanguarda leninista 8 A Organização política revolucionária anarquista. Muitos anarquistas parecem crer que em um bom dia a maioria das pessoas compreenderá a inutilidade de uma sociedade autoritária. Todos juntos, como uma só pessoa, em um momento dado, abrirão os olhos ante sua alienação, se colocarão de pé e recuperarão sua sociedade. Este enfoque é às vezes denominado “esponteneísmo”. Desgraçadamente, as coisas não funcionam assim. Em geral, a longo prazo, os povos se radicalizam de forma heterogênea. Em épocas conservadoras, as pessoas se tornam revolucionárias em número reduzido. Na medida em que a situação radicaliza, se fazem grupos revolucionários e núcleos inteiros. Logo, na medida em que a situação avança em direção a um período de radicalização, camadas inteiras se fazem revolucionárias. Finalmente, em períodos de rebelião, populações inteiras se sublevam. Mas muitos, ou as pessoas recém radicalizadas, não vão pensando sobre seus objetivos ou estratégias. Muitas vezes, cheios de energias, mas confusos e inseguros, até que consigam ordenar suas ideias através da experiência. Nesses períodos, os reformistas podem facilmente desviá-los para um retrocesso aos antigos costumes, e os grupos autoritários podem instalar novos governadores. Isto foi demonstrado pela triste história das revoluções posteriores à segunda guerra mundial na Europa e no “Terceiro Mundo”. Mais recentemente, temos vistos os lamentáveis resultados da revolução iraniana, que pôs os ayatolás no poder, o no caso da Argentina, onde a rebelião das massas produziu tão somente um regime capitalista um pouco mais de esquerda. (mas as lutas na Argentina e no resto da América Latina ainda não terminaram). Na medida em que os grupos e camadas de trabalhadores e outros grupos se radicalizam, tem a oportunidade de organizar-se para difundir eficazmente suas ideias entre o resto da população ainda não radicalizada. Isso Wayne Price 9 não contradiz a auto-organização do conjunto da população oprimida. É uma parte integral desta auto-organização. Muitos grupos se organizaram seguindo linhas autoritárias (reformistas, ou para uma nova dominação revolucionária). Isto é inevitável, já que o autoritarismo é tudo o que conhecemos. Mas é possível que alguns se organizem em direções libertárias, igualitárias ou cooperativas é dizer, que se façam anarquistas ou outro tipo de antiautoritários. Isto é de vital importância para não repetir a desastrosa história de derrotas das revoluções dos trabalhadores. Uma organização política ajudará os antiautoritários a falar entre si, a educarem- se entre si, a desenvolver sua teoria, suas táticas e suas estratégias, suas análises do que está se passando e do que fazer a respeito, e sua visão de como poderia ser uma sociedade socialista. Poderão debater o que aprenderam de outras pessoas e o que podem ensinar aos outros. Ser parte de uma organização pode ajudá-los a resistir da influência conservadora e desmoralizante do resto da sociedade. Algo assim como o que dizia o anarquista Paul Gooodman, “Basta pesquisar e fazer uma banda, com cem pessoas de ideologias semelhantes, para saber que uma está sã e que o resto da cidade está doentia” (1962, p. 17.). Aqui a questão é a relação entre a minoria que chegou a conclusões revolucionárias, e a maioria que, a maior parte das vezes, não é revolucioná- ria salvo em períodos revolucionários. (O fato de que a maioria se tornou revolucionária é o que, por definição, faz com que um período seja revolucionário!). Os anarquistas espontaneístas e anti-organizadores não veem isto como um problema: negam sua existência. Para eles, até falar de uma minoria revolucionária é ser autoritário. Negam a realidade. Só é possível combater os perigos do autoritarismo se admitirmos que este possa surgir da separação entre uma minoria revolucionária e a maioria. O anarquismo organi- Organização Anarquista, não vanguarda leninista 10 zador é uma forma de lidar com esta separação, é uma forma de superá-la através da política prática, uma via distinta do leninismo. Uma federação revolucionária anarquista terá duas tarefas entrelaçadas, dentro das organizações populares mais amplas. Uma é lutar contra todas as organizações autoritárias que surgirão inevitavelmente: Stalinistas, socialdemocratas, liberais, fascistas, etc. Todos eles tratarão de minar a confiança dos trabalhadores e a iniciativa popular. Argumentaremos contra esses agrupamentos, lutaremos contra elas, e alentaremos os trabalhadores, mulheres, minorias raciais e nacionais, etc., para que tenham confiança em si mesmos, para que tomem o poder para si mesmos, e contem com si mesmo, não com algum Salvador vindo de cima. A outra tarefa entrelaçada é fazer alianças com todas as pessoas e grupos com que seja possível (com qualquer que vá em nossa direção). Nada tem todas as respostas. Por exemplo, na enorme sociedade dos Estados Unidos, é improvável que só uma organização (“Vanguardista”) tenha todos os melhores militantes e todas as ideias corretas. Os anarquistas revolucionários deverão estar preparados para fazer frentes unidas com qualquer grupo que desenvolva-se em uma direção antiautoritária. Muitos destes problemas foram estabelecidos no Congresso Anarquista Internacional de Amsterdã, em 1907. Estiveram presentes cerca de oitenta anarquistas da Europa, América do Norte, do Sul e de outras regi- ões, incluindo figuras muito conhecidas na época, como Emma Goldman. Entre outros temas discutidos, Pierre Monatte, um anarcossindicalista francês, urgiu aos anarquistas a ingressarem nas uniões (sindicatos), para ajudar em sua organização e construção. Argumentou que este era o caminho para que os anarquistas saíssem de seus pequenos círculos isolados, e abandonaram rebeliões sem sentido e (em alguns casos) o terrorismo. Segundo Mona- Wayne Price 11 tte, desta maneira os anarquistas poderiam entrar em contato com os trabalhadores e participar em suas vidas e em suas lutas. Falando contra ele se encontrava o anarco-comunista italiano Errico Malatesta. (Estes rótulos levam à confusão, já que os anarcossindicalistas concordam que seu objetivo é o comunismo libertário, enquanto que os anarco-comunistas concordam que os sindicatos são valiosos). Estava de acordo que era importante que os anarquistas participassem dos sindicatos. Mas opunham-se a ideia implícita de que os anarquistas deviam, em efeito, dissolverem-se dentro dos sindicatos. Malatesta advertiu que isto era perigoso, pois os sindicatos, por sua natureza, tinham que atrair trabalhadores com uma grande variedade de níveis de consciência, conservadores e socialistas de Estado, assim como anarquistas. Assim mesmo, o trabalho dos sindicatos era negociar melhores condições de trabalho e salários sob o capitalismo, sempre que não houvesse uma situação revolucionária. Ou seja, os sindicatos têm que adaptar-se tanto à consciência mais conservadora da maioria de seus membros, como às necessidades práticas do mercado capitalista. Por outro lado, Malatesta e outros concluíram que os trabalhadores anarquistas deviam também organizar-se em organizações especificamente anarquistas, para lutar pelas ideias anarquistas. Eles trabalhariam dentro e fora dos sindicatos, ocupando-se não somente de questões sindicais, mas também de toda luta contra a opressão de qualquer setor. (Curiosamente, muitas pessoas de esquerda conhecem em detalhes o debate de Lênin com os “economistas” - marxistas que queriam se concentrar somente na organização sindical como Lênin o consigna em “O que fazer?”. Mas não sabem nada sobre o debate Malatesta-Monatte, que abrangeu o mesmo período. Os trotskistas da I.B.T. observam, com aparente surpresa, “... os plataformistas têm um histórico de participação nas lutas para ampliar e defender os direitos democráticos...” Isso mostra uma compre- Organização Anarquista, não vanguarda leninista 12 ensão relativamente sofisticada de como opera o estado capitalista e é congruente com ‘O que fazer?’ de Lênin... (2002, p.14). Monatte estava certo sobre o valor da entrada dos anarquistas nos sindicatos. Com esta abordagem, os anarquistas terminaram com seu isolamento e alcançaram uma grande influência entre os trabalhadores e outros grupos. Mas Malatesta tinha igualmente razão. Os outrora militantes sindicatos franceses (CGT) tornaram-se conservadores. Tudo o que os altos chefes dos sindicatos mantiveram do seu anarquismo original era um desejo de manter os sindicatos independentes dos partidos socialistas. Quando a Primeira Guerra Mundial estourou, os sindicatos franceses apoiaram a guerra e o governo. Monatte se tornou opositor da burocracia sindical e seu pró- imperialismo. Os anarcossindicalistas sabiam o que tinha acontecido em França e viram tendências semelhantes nos sindicatos espanhóis (CNT). Ao contrário dos anarcossindicalistas franceses, os espanhóis organizaram uma federação especificamente anarquista, a FAI, dentro da CNT. Eles conseguiram bater em retirada da tendência reformista e burocrática (e, em seguida, dos comunistas). Mas além de seus eventuais erros, nesta questão a FAI continua a ser um exemplo para os organizadores anarquistas. O Partido Leninista Como é sabido, o conceito do partido é essencial para o leninismo. Isto tem sido definido de várias maneiras. O documento central do trotskismo (uma variante do leninismo) é o “Programa de transição”. Sua primeira frase e conceito essencial é: “A situação política mundial como um todo é principalmente caracterizada por uma crise de direção do proletariado” (1977, p. 111). É dizer que o problema principal não é o conservadorismo Wayne Price 13 das massas trabalhadoras, porque em nossa época os trabalhadores e os oprimidos se levantaram contra o capitalismo de tanto em tanto. O problema é que os socialdemocratas, liberais, nacionalistas e stalinistas são os líderes estabelecidos e respeitados. Estas elites induzem os trabalhadores a alguma versão da velha opressão. O que é necessário, em seguida, é construir uma nova direção, um partido comprometido com um programa revolucionário de palavra e ação, que possa ganhar o apoio da maioria dos trabalhadores e oprimidos. A vantagem deste projeto é que ele diz à minoria revolucionária que não culpe os trabalhadores para o fracasso da revolução. Isto não nega que a consciência revolucionária da maioria dos trabalhadores é um problema. Mas lamentar-se do “atraso” da maioria é tão incoerente quanto idealizar os trabalhadores. A decadência do capitalismo levará repetidamente a classe trabalhadora a se rebelar. A tarefa da minoria revolucionária é desenvolver sua própria teoria, análise, estratégia, tática e prática. A desvantagem desta concepção de liderança é que se presta a considerar a direção como mais importante. Assim, se busca substituir maus líderes de bons líderes, partidos ruins por bons partidos - ou seja, o partido com as ideias certas. Em vez de se concentrar em agitar as pessoas, estimulando sua independência e autonomia, esta abordagem significa que tudo o que é necessário é levar os dirigentes adequados ao poder. Nos casos mais infelizes, o partido se torna um substituto para a classe trabalhadora. Os leninistas concebem o partido como uma organização centralizada - o “centralismo democrático”. Isto é baseado em sua visão do socialismo, entendido como uma economia centralizada gerida por um Estado centralizado. Para alcançar este objetivo e dirigia a economia centralizada e estatizada é necessário um partido centralizado. Na teoria, o Estado e o partido Organização Anarquista, não vanguarda leninista 14 “desintegraram-se” (um dia), mas a economia permanecerá centralizada - e em escala global, nada menos. A ideia em si é um pesadelo burocrático. O “centralismo” não é apenas a coordenação, a cooperação ou a unificação. O centralismo (“democrático” ou não) significa que tudo é dirigido a partir de um centro. Manda uma minoria. Como Paul Goodman disse: “Em uma empresa centralizada... autoridade é vertical. As informações se reúnem abaixo no campo e são processadas para em seguida, destinar-se em níveis superiores, as decisões são tomadas nas sedes centrais, políticas, agendas e procedimentos padronizados são passadas debaixo por uma cadeia de comando... O sistema foi concebido para disciplinar exércitos para manter registros, recolher impostos, e as funções burocráticas, e para... a produção em massa” (1977, p. 3-4). Este é o modelo básico da sociedade capitalista, e mantém o partido leninista. Este é o estado em embrião, a rela- ção capital / trabalho na prática. Sem dúvida, uma federação anarquista também tem certo grau de “centralismo”, ou seja, a organização geral atribui certas tarefas específicas grupos e indivíduos específicos. Esses núcleos são escolhidos e são revogá- veis a qualquer momento, com uma rotação de tarefas entre os membros. Por definição, uma federação equilibra centralização com descentralização: a centralização mínima e indispensável, e toda a descentralização possível em uma organização anarquista. Entre os leninistas, o partido centralizado está justificado filosoficamente. Supõe-se que o partido sabe a verdade, o “socialismo científico”. O partido considerado como a personificação da consciência do proletariado. A consciência do proletariado não é o que o proletariado realmente acredita, mas o que ele deve acreditar, o que tem que crer e somente o partido conhece com segurança. Portanto, o partido não tem nada a aprender com ninguém fora dele. A direção do partido é provavelmente a mais bem Wayne Price 15 informada sobre a verdade. Portanto, o partido deve ser centralizada, com uma liderança central estável. Ela carrega “o fardo do homem brilhante” (Landy, 1990, p. 5). O partido ou seus líderes são a “vanguarda”. Eu não vou protestar definições de palavras, quando o que importa são os conceitos. Alguns anarquistas usaram a palavra “vanguarda” para se descreverem. Usaram o termo para expressar que eles estavam criando um pensamento político avançado, e eles eram da esquerda revolucionária, a mais extrema esquerda. Usaram “vanguarda” da mesma forma que os artistas usam o termo francês “avant-garde”, isto é, aqueles à frente das novas ideias. Mas a “vanguarda” de hoje refere-se hoje não só a um grupo que tem suas próprias ideias, a minoria revolucionária. Refere-se aqueles que acreditam que têm todas as respostas e, portanto, têm o direito de dirigir o resto. Isto é o que os anarquistas rejeitam. Por exemplo, o panfleto I.B.T. argumenta que os bolcheviques tinham razão para manter uma ditadura de partido único, nos primeiros dias da União Soviética (quando Lenin e Trotsky estavam no poder). Isso é correto, dizem eles, apesar da maioria dos trabalhadores (para não mencionar os agricultores) não os apoiava. Se eles permitiram eleições livres nos sovietes, operários e camponeses os rechaçariam, votando nos revolucionários socialistas de esquerda (populistas), nos mencheviques, ou anarquistas. Estes, argumentam eles, capitularam ao capitalismo e permitiram o surgimento de um protofascismo. Verdade ou não, os trotskistas justificam que se governe uma ditadura de um partido minoritário, porque o partido sabe o que é melhor para o povo. No entanto, esta abordagem não levou ao socialismo, mas o stalinismo, a contrarrevolução através do partido. Stalinismo era quase tão brutal quanto os nazistas. De acordo com o panfleto da I.B.T., por volta de 1924 o partido bolchevique já não era revolucionário, logo após a revolução de 1917. Concluo, portanto, que teria sido melhor ficar com a Organização Anarquista, não vanguarda leninista 16 democracia revolucionária bolchevique dos sovietes originais, mesmo que isso significasse perder o poder. Nada poderia ter sido pior do que o que aconteceu. O Mito da Revolução Bolchevique Acredita-se geralmente que a Revolução Russa demonstra a necessidade de um partido centralizado, verticalista, de estilo bolchevique. Sem esse tipo de partido, argumenta-se, não teria havido uma revolução socialista. Portanto, hoje é necessário para construir este tipo de partido. Este argumento é mais mitológico. No exílio europeu, Lenin tinha construído um corpo centralizado de quadros profissionais, mas estes não controlavam em absoluto as bases reais do movimento marxista do Império Russo. O movimento socialista tinha sido afetado pela repressão czarista, e as lutas entre facções internas, que levaram a rupturas, como os mencheviques, apenas os mais conhecidos. Murray Bookchin resumiu: “O Partido Bolchevique... Era uma organização ilegal durante a maior parte dos anos antes da revolução. O partido foi constantemente destruído e reconstruído, com o resultado de que, até a tomada do poder, nunca cristalizou-se em uma máquina totalmente centralizada, hierárquica e burocrática. Além disso, ele foi crivado por facções... Para a guerra civil”. (1986, p. 220). Hal Draper, uma autoridade em Marx e Lenin, fez observações semelhantes “... As etapas anteriores para um partido de massas na Rússia não tinha sido dadas na forma de seita, mas círculos locais de trabalhadores que permaneceram e formaram grandes associações regionais... As organizações associadas na Rússia eram grupos de partidários locais e regionais, que poderiam ter simpatias bolcheviques em parte e em parte mencheviques, ou Wayne Price 17 poderiam mudar o seu apoio de um grupo para outro ao longo do tempo, etc. Sempre que tinha lugar um ‘congresso do partido’ ou conferência, cada grupo partidário tinha de decidir se ia assistir um ou outro, ou ambos... Os membros individuais de um partido na Rússia, ou os grupos partidários, poderiam decidir distribuir o jornal de Lenin ou os mencheviques, ou nenhum dos dois, muitas preferiam grupos ‘não-rebeldes’ como o que Trotsky criou em Viena; ou podiam as publicações bolcheviques que mais gostavam, além de outras mencheviques ou outros grupos, sem qualquer restrição”. (1971, p. 7-8). O papel dos bolcheviques na derrubada do Governo Provisório capitalista foi cuidadosamente estudado por Alexander Rabinowitch (1976, 1991). Através de um estudo das primeiras memórias de militantes bolcheviques e lendo os jornais bolcheviques da época, ele concluiu que “... a unidade quase monolítica e a ‘disciplina de ferro’ do Partido Bolchevique em 1917 são em grande parte um mito...” (1991, p. viii-ix). O comitê central do partido não conseguiu controlar muitas organizações regionais e locais, e, geralmente, não tentava. Mesmo em locais centrais como Petrogrado e Moscou, havia corpos relativamente autônomos bolcheviques criaram seus próprios jornais e se deram suas políticas imediatas. O comitê central tinha membros com vontade forte, que lutaram por suas opiniões, às vezes ignorando a disciplina partidária. Enquanto isso, o partido foi aberto à dezenas de milhares de novos membros trabalhadores, que abalaram consideravelmente a organização. Quando Lenin retornou à Rússia, confiou nesta nova base para derrubar políticas conservadoras dos antigos bolcheviques. Rabinowitch concluiu que essas divisões “descentralizadas e indisciplinados” (p. ix) causaram algumas dificuldades, mas em termos gerais eram de utilidade vital. “...A flexibilidade organizacional dos bolcheviques, o caráter rela- Organização Anarquista, não vanguarda leninista 18 tivamente aberto e receptivo... Haveria de ser uma parte importante da força e da capacidade do partido para tomar o poder”(1991, p. xi). A criação do partido centralizado e monolítico foi realizada após a revolução, durante a guerra civil contra os brancos contrarrevolucionários. Quando a guerra civil terminou em 1921, os bolcheviques acabar com a revolta da fortaleza naval de Kronstadt e derrotaram a oposição interna do partido que manifestaram-se por mais democracia operária. Lenin convenceu os bolcheviques (agora do Partido Comunista) de proibir todas as panelinhas internas e facções (Trotsky estava de acordo). “...Os bolcheviques tenderam a centralizar o seu partido ao passo que se isolavam da classe trabalhadora”. (Bookchim, 1986, p. 221). O jogo tornou-se ainda mais burocrá- tico e repressivo internamente com a vitória de Stalin em 1924. O partido bolchevique fez a revolução russa, quando este aparentavase mais a uma federação anarquista! O partido centralizado e monolítico não era o partido da revolução, mas da contrarrevolução. Os partidos autoritá- rios leninistas que fizeram as revoluções chinesas, vietnamitas, iugoslavas e Norte-coreana tinham como modelo de partido o da União Soviética stalinista. Mao e outros queriam um partido que iria criar um sistema similar de capitalismo de Estado totalitário. Há outro aspecto mitológico da imagem atual da Revolução Russa e do Partido Bolchevique. É a ideia de que os bolcheviques próprios que derrubaram o governo provisório. Isso não é verdade. Tomando o poder original foi realizado por uma frente unida do partido bolchevique, os revolucionários e anarquistas socialistas de esquerda. Os bolcheviques desempenharam um papel de liderança por causa da fraqueza dos outros dois grupos, mas eles não poderiam ter agido sozinho. Os socialistas revolucionários de esquerda eram os herdeiros do populismo camponês russo, com um programa socialista libertário. Ao contrário dos bolcheviques, tinha apoio entre Wayne Price 19 os camponeses. Sua fraqueza era seus entrelaçamentos com a ala direita do partido, que só começou a se espalhar em 1917. Os anarquistas estavam ativos nas grandes cidades e em muitas indústrias. Os anarcossindicalistas foram importantes na construção de conselhos de fábrica. Infelizmente, os anarquistas foram divididos em várias tendências, e foram superados pelo maior grau de organização dos partidos políticos. (Os anarcossindicalistas parecem ter sido melhor organizado do que os anarco-comunistas, em termos de criação de um jornal e de divulgar as suas opiniões). Os social-revolucionários de esquerda e os anarquistas concordaram com os bolcheviques sobre a necessidade de derrubar o Governo Provisório burguês e substituí-lo com os sovietes. Todos cooperaram no comitê militar, dirigido por Trotsky, que derrubou o governo provisório. Os socialistas revolucionários de esquerda, em seguida, formaram um governo conjunto com os bolcheviques nos sovietes. Os anarquistas participaram nos sovietes e geralmente apoiaram as políticas dos bolcheviques e socialistas revolucionários de esquerda. O objetivo desta frente unida foi um passo importante para uma ditadura de partido único da etapa de comunistas. (O desenvolvimento deste processo é muito confusa para expor aqui). Em 1921, além de proibir as facções dentro do Partido Comunista, Lênin e Trotsky também exigiram a proibição definitiva de todos os outros partidos, que estavam mais dispostos a apoiar o socialismo. A ditadura monolítica e centralizada de partido único tinha acabado de ser criada, mas passou por algumas etapas antes de Stalin a aperfeiçoasse completamente. Mas não é assim que a revolução foi feita. Organização Anarquista, não vanguarda leninista 20 Conclusão Além de suas realizações, o anarquismo falhou repetidas vezes em suas tentativas de criar uma sociedade cooperativa e livre. Revoluções influenciadas por anarquistas foram derrotadas, ou foram “bem-sucedidas” a ser controladas pelos estatistas. Hoje, há um ressurgimento do anarquismo no mundo inteiro. Muitos militantes têm as suas expectativas postas na tendência organizadora e classista do anarquismo histórico, como expresso por Malatesta, os plataformistas, a FAI, e os especifistas. Alguns de nós também colocamos nossas expectativas na tendência autonomista do marxismo. Nós nos esforçamos para criar federações democráticas organizadas em torno de um programa de revolução internacional da classe operária e de todos os oprimidos. Os anarquistas anti-organizadores afirmam que se criam assim partidos de tipo leninista. Para além das suas intenções, na prática, os anarquistas anti- organizadores abandonaram a organização anarquista efetiva contra o capitalismo e o Estado. Enquanto isso, os leninistas constroem partidos que recriam a divisão centralizada “dirigente/dirigido” do capitalismo de estado. Eles espalharam imagem falsa e autoritária de como a revolução russa foi alcançada. Nós, no entanto, ainda acreditamos que a emancipação da classe trabalhadora e dos oprimidos será obra da classe operária e dos oprimidos. Acreditamos que a formação de federações anarquistas revolucionárias faz parte da auto-organização dos oprimidos e explorados pelo capitalismo. Essa auto-organização continua a ser a chave para a libertação humana. Referências Bibliográficas Bookchin, Murray (1986). Post-scarcity anarchism, 2nd ed. Montreal: Black Rose Books. Wayne Price 21 Draper, Hal (1971; photocopied, undated). “Toward a New Beginning”. Reorient Papers No. 3. Goodman, Paul (1962). Drawing the line; A pamphlet. NY: Random House. Goodman, Paul (1965). People or personnel, Decentralizing and the mixed system. NY: Random House. International Bolshevik Tendency (2002). Platformism and Bolshevism. I.B.T. pamphlet. Landy, Sy (1990). Foreword. In Walter Daum. The life and death of Stalinism. NY: Socialist Voice Publishing. Pp. 3 — 6. Rabinowitch, Alexander (1976). The Bolsheviks come to power; The revolution of 1917 in Petrograd. NY: W.W. Norton Rabinowitch, Alexander (1991). Prelude to revolution: The Petrograd Bolsheviks and the July 1917 uprising. Bloomington: Indiana University Press.
FONTE: https://we.riseup.net/assets/209634/Organiza%C3%A7%C3%A3o%20anarquista%2C%20n%C3%A3o%20vanguarda%20leninista..pdf
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